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sexta-feira, 12 de junho de 2015

Vestuário Alternativo Feminino no século XIX

O vestuário feminino usado no século XX, deriva dos estilos das mulheres da classe média e operária cujo comportamento não correspondia ao ideal feminino da elite vitoriana.

A industrialização retirou as mulheres de classe média e alta da participação ativa na economia, o ócio aristocrático era considerado a atividade apropriada para elas.
Embora sejamos bombardeados das lindas imagens dos trajes da elite vitoriana, um outro estilo, "alternativo", coexistiu  e foi largamente adotado, mas pouco falado. Ele incorporava ítens do vestuário masculino esportivo inglês como gravatas, chapéus (cartola, coco, palha, fedoras), paletós, coletes e camisas, isoladamente ou combinados entre si, mas sempre usados juntos com peças femininas da moda.

 Não encontrei fotos do vestuário alternativo na web, então escaneei algumas do livro
A Moda e Seu Papel Social: a senhora vestida de preto usa a roupa da moda dominante. As moças com camisa branca, gravata e chapéu, usam a "moda alternativa".

Ao contrario dos estilos propostos pelos reformadores do vestuário, o estilo alternativo possui registros em fotos, mas costuma ser ignorado nos livros de moda, talvez porque era usado por mulheres que trabalhavam fora de casa, algumas vezes sendo solteiras, todas consideradas à margem socialmente.

Dentre britânicas, francesas e americanas, estas últimas eram as mais avançadas em relação à esta estética. Durante a guerra civil americana, as mulheres usavam paletó escuro, saia mais curta e blusa simples, pois assumiram papéis dos homens que foram pra guerra, o que acabou apressando a emancipação feminina naquele pais, bem antes dos países da Europa.


Estes trajes, permitiam a mulher se locomover mais livremente; quando as francesas o adotaram, o chamaram de tailler que significa "conjunto sob medida". A classe média os usava para viajar e a classe operária os usava em escritórios e lojas. 

Na segunda metade do século, o paletó acabou sendo absorvido pelas altas classes como peça para uso no campo ou no litoral e o elemento final do traje da  mulher independente apareceu nos EUA em 1870, a chamada chemisier, uma camisa masculina adaptada, ornamentada com uma pequena gravata borboleta de cor preta.
O traje alternativo só virou moda dominante na decada de 1890 sendo muito reconhecido através dos trajes das gibson girls.

O fato de uma mulher usar gravata, chemisier, colete, paletó e chapéu era um manifesto pessoal muito forte! O estilo alternativo não era defendido por nenhum grupo em particular. Já as reformadoras do vestuário, muitas eram feministas e centravam suas propostas no uso de calças.


O uso de calças no século XIX
Este foi um tema muito controverso naquele século. A ideologia da época estipulava identidades de gênero fixas e diferenças grandes entre homens e mulheres.
O traje apresentado por Amelia Bloomer em 1850, enfrentou muita resistência pois subvertia a diferença entre os gêneros.

O traje era composto de uma saia curta sobre uma calça turca volumosa. Amelia e outras mulheres, usavam-no por ser confortável prático e seguro - sem a intenção de lançar moda. Mas a peça chamava muita atenção, atraia multidões de homens agressivos e elas eram muito assediadas. Tamanho era o assédio, que elas precisaram parar de usar a roupa poucos meses depois pra evitar mais violência. Mas o traje continuou sendo defendido por feministas e outras mulheres que alegavam que ele promovia a independência e aumentava a capacidade das mulheres executarem movimentos. O bloomer prefigura o terninho do final do século XX.

"Proibidas" de usarem nas ruas, estas mulheres então, usavam bloomers em seus lares.

 Mulheres graduadas, doutoras, acadêmicas, tinham preferência por usar o traje, mesmo que em ambientes mais restritos.

As trabalhadoras rurais usavam calças diariamente, só usavam vestidos aos domingos. São mulheres que romperam padrões estéticos da época. Em alguns locais, chegaram a ser proibidas de trabalhar em algumas áreas pois suas calças chocavam os governantes e visitantes das áreas urbanas.

Os movimentos feministas americanos continuaram até o fim do século lutando para uma reforma no vestuário tentando uma adoção de roupas mais simples. Essas ideias eram radicais demais para as moças de classe média que eram as mulheres que mais interessavam que ingressassem no movimento, pois elas eram as mulheres que fariam a diferença em opinião.
Na França, uma reforma do vestuário não existiu até 1887, quando surgiu uma sociedade defendendo a eliminação do espartilho. Calças eram proibidas naquele país, para usá-las as mulheres precisavam de uma autorização da policia.

Onde o traje era aceito?
Tanto o traje alternativo quanto as calças (knickerbockers/bloomers) eram aceitas como uniforme para a prática de exercícios nas escolas, faculdades e sanatórios. Locais que as mulheres podiam praticar "esportes masculinos" sem serem vistas. Pois mulheres que praticassem "esportes masculinos" em público eram consideradas vulgares e imorais.

Time de basquete feminino (Topeka High School girls´)
Bloomer e knickerbockers eram usados também como trajes de banho.
À medida que o século passou, os esportes foram ficando mais aceitos e um número maior de mulheres começou a praticá-los. E aí chegamos na bicicleta...

A importância do ciclismo na emancipação feminina
Mas o que impactou mesmo a vida das mulheres do fim do século XIX, foi a popularização do ciclismo, na década de 1890. Era um esporte completamento novo e não visto como atividade masculina. 


Para não serem hostilizadas na rua por usarem o traje (saia-calça, knickerbockers e bloomers), as ciclistas de classe média/alta eram levadas até os parques de carruagem e lá se isolavam para dar as pedaladas. 


Afinal, era impossível praticar o ciclismo com as roupas elegantes da época e foi justamente por causa das ciclistas que elite que, com o tempo, o traje acabou sendo aceito como símbolo de emancipação que mudou em definitivo a forma como as roupas eram vistas, dando liberdade ao corpo feminino.

Trajes com "calças" aceitos para andar de bicicleta

Mulheres usam bloomers, saias-calças e saias mais curtas (tornozelo) junto com elementos do vestuário masculino (origem no vestuário alternativo).
Enquanto que atividades e esportes eram inacessíveis à mulheres de classes operárias, isso era contrabalançado com o fato de que elas usavam calças em outros espaço públicos.

O traje alternativo feminino do século XIX nos mostra que a roupa que usamos hoje, deriva mais dele do que das roupas da elite vitoriana. E que os discursos de gênero são mantidos na comunicação não verbal. Mudanças de atitude geraram mudanças estruturais na sociedade.
As calças eram um desafio simbólico muito forte ao sistema - e a maioria das mulheres não estava preparada para fazer isso - pois era considerado desobediência à ordem social. As calças eram associadas aos homens e ao usá-las, as mulheres enfrentavam a autoridade masculina. No século XX, as calças femininas foram plenamente aceitas somente a partir da década de 1970 e acabou se tornando um símbolo da independência feminina na moda.


Fonte: A Moda e Seu Papel Social - Classe, Gênero e Identidade das Roupas de Diana Crane.

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8 comentários:

  1. Muito bom o texto! è sempre bom lembrar que o que a gente recebe como moda é sempre uma parcela do que acontecia e não o todo

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  2. Artigo MARAVILHOSO! Acompanho este blog há tempos e sou fascinada por este trabalho de pesquisa histórica! É sempre fantástico aprender sobre incríveis mulheres anônimas que ousaram ser elas mesmas em tempos remotos. Devemos a elas grande parte da praticidade a que temos acesso nos nossos dias.

    Beijos,
    Rafaella.

    http://imperioretro.blogspot.com

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  3. Até que em fim encontrei algo sobre moda diferenciado!

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  4. Obrigaddaaaaa... estava com dificuldades de encontrar estas roupas.

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  5. Excelente artigo! Muito bem escrito! Rica fonte de pesquisa!

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