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sábado, 2 de fevereiro de 2019

A Moda e o Tempo: A Pureza na Revolução Sexual

          Em "A Moda e o Tempo" de hoje, mais uma vez a moda andará para trás, passeará pelo Oriente e para um futuro impossível no espaço sideral. 


Texto de Rommel Werneck*
Fundador e Presidente do Picnic Vitoriano São Paulo

Em 1960 foi aprovada nos EUA uma pílula que possibilitou à mulher ser capaz de controlar a natalidade: a pílula contraceptiva. Pois até então o controle da natalidade estaria nas camisinhas masculinas.
E como era a moda no começo dos 60s? Abaixo, a moda de 1961 ilustrada revela o gosto por saias mais curtas e menos volumosas que as da década anterior embora ainda houvesse saias armadas. Uma personagem do seriado Mad Men que reflete o conservadorismo em se vestir é a secretária Peggy Olson que mantém suas bainhas ainda na panturrilha enquanto as outras mulheres já deixam o cumprimento rente ao joelho. Os cabelos começam a ficar altos e a maquiagem a valorizar os olhos em detrimento da boca vermelha e carnuda tão celebrada nos anos anteriores. A propaganda de 1961 conserva alguns traços da década anterior evidentemente.


A moda de 1961 conserva traços da década anterior. /Divulgação

Em 1947, o New Look de Christian Dior resgatava a feminilidade, a sensualidade e a sofisticação esquecidas no período entreguerras (1918-1939) e durante a Segunda Guerra (1939-1945). Houve um revival da moda vitoriana, pois o período era visto como um tempo seguro, um tempo sem bomba atômica e a Guerra Civil Americana era motivo de orgulho. A moda dos 50s foi realmente conservadora e revivalista com mulheres procriando os bebês da geração Baby Boom e cuidando da casa. Se olharmos para a moda de 1950s veremos que a silhueta, os decotes e a maquiagem eram realmente mais sensuais, pois enalteciam feminilidade e romantismo. 
   
Nos 60s não parecia ser este o modelo a ser seguido com a autonomia da mulher, as saias subindo e uma corrida espacial em seu auge. Em 1964, a inglesa Mary Quant lançou a minissaia e o francês Andrés Courrèges o fez em 1965. Abaixo, o icônico vestido costurado por Colin Rolfe e vestido por Jean Shrimpton em 1965 na Austrália. 

Jean Shrimpton em 1965 na Austrália.

Porque uma revolução sexual estava acontecendo com mulheres fazendo sexo antes do casamento, direitos civis negros e casamentos miscigenados, movimento homófilo etc. Mas ainda no período pré-minissaia, começou um revival da estética Diretório/ Regency com a cintura império que dividiram espaço com as silhuetas já mostradas acima de 1961.

No imaginário popular o século XVIII na Europa está associado aos libertinos e a um período mais liberal em detrimento do revival puritano na Era Vitoriana, isto é, no século seguinte. No séc. XVIII ocorreu a Revolução Francesa  obrigando a moda a seguir uma linha mais minimalista, assim como a extravagância havia sido abandonada e substituída por um revival greco-romano, agora havia uma busca por mais simplicidade em se vestir. É conveniente ressaltar que os homens de Roma Antiga usavam uma espécie de minissaia e em maio de 1968 outra revolução ocorreu em Paris.


A cantora Dusty Springfield e vestidos com cintura império. / Divulgação

Revival: Vestidos com cintura império / Divulgação

O vestido abaixo é de Pierre Balmain ainda em 1960 em claríssima referência ao Rococó pelo pannier e pela prega Watteau. Essa peça foi usada por Sirikit de Tailândia.


Vestido de Pierre Balmain: revival do Rococó

Já a moda masculina estava mais colorida, homens usando terno xadrez e franjas ao invés dos topetes. O revivalismo deles focou mais no século XVIII com camisa poeta, cabelos mais longos que o habitual e calças mais justas sendo que este último item é como se fosse a minissaia deles porque a calça justa contorna as coxas e todo o quadril. A barba volta a florescer no fim da década com costeletas (que surgiram no fim do séc. XVIII). Abaixo duas bandas no final da década, quase nos anos 70: The Beatles e Wallace Collection sendo esta última uma orquestra belga especializada em música neobarroca.






Se a mulher estava independente e o filme Bonnie e Clyde de 1967 fazia sucesso, seria adequado relembrar a estética Art déco. E a moda do final dos 20s e início dos 30s foi revivida na virada de 60s para 70s. A marca de maquiagem Biba contribuiu muito para isso...



A década de 60 também buscou o futuro, ainda que fictício. Em 1957 o astronauta soviético Yuri Gagarin saiu da Terra dando início a corrida espacial, uma fase da Guerra Fria que deixou vestígios no cinema, literatura, moda e cultura em geral. URSS e EUA disputavam quem atingia os céus primeiros. Em 1969 os EUA terminam com a corrida espacial lançando o homem à Lua. O estilista que mais se destacou na busca ao futuro foi Pierre Cardin.


A moda de Pierre Cardin. / Divulgação

Os hippies foram uma subcultura que lutava contra a Guerra do Vietnã originalmente. De um modo geral, 60s é a década das cores, do psicodelismo. E outro revival no fim da década e em princípio dos 70s foi a Idade Média, a influência é notada nas meias coloridas, vestidos bicolores, manga pagode aberta, manga julieta e acessórios na testa e cintura império. Seria por influência dos filmes medievais de Franco Zefirelli: Romeu e Julieta (1968) e Irmão Sol, Irmã Lua (1972, sendo este último inclusive sobre a vida de São Francisco de Assis e com trilha sonora do cantor inglês hippie Donovan)? Seria isto uma forma inconsciente e coletiva de, no auge da Revolução Sexual, buscar refúgio em tempos católicos de castidade e nobreza sem capitalismo, comunismo, bomba atômica e trânsito?




Inspiração medieval na modelagem

 Vestido de Zandra Hodes e vestido de 1969 / Divulgação

Revista Simplicity / Divulgação.

O icônico vestido da Princesa Anne em 1973.

Mais sinais de “pureza” na Revolução Sexual: o terno Nehru. Ele tem este nome por causa do primeiro-ministro indiano Jawaharlal Nehru e apresentava gola mandarim e era usado com camisa gola de padre. Os homens abaixo não lembram padres?


Outro sinal de pureza: o crucifixo grande foi um acessório da virada da década.



E não nos esqueçamos de Dominique de Soeur Sourire, um grande sucesso de 1963 com uma letra sobre São Domingos de Gusmão.

Ainda no início dos anos 70 a minissaia divide espaço com a saia mídi cuja bainha está na panturrilha; já falei aqui da influência art deco, mas agora a saia vai realmente parar abaixo dos joelhos como nos anos da crise. As calças pantalona e boca de sino seriam um revival deste período.


Moda da década de 1970 remetendo à moda dos anos 1930. / Divulgação


Em 1969 os homossexuais lutaram contra a polícia em um bar e isto foi chamado de Rebelião de Stonewall iniciando assim uma revolução homossexual. O homem agora parecia em crise. Como os hippies já estavam usando roupas mais soltas e havia um estilista pied-noir chamado Yves Saint-Laurent, a inspiração agora não era a História, mas a Geografia, o novo homem precisava ser viril, sensual e se sentir um sultão no harém. 


O homem como um sultão de Harém.

Embora o novo homem era barbudo e peludo há muita sensualidade e feminilidade. A frase principal do anúncio acima é: “Ah, homens e suas fases de mudança” numa clara associação às fases lunares com desenho ao fundo. Na cultura popular, o ciclo lunar está associado ao ciclo menstrual. 

A década de 70 foi dominada pela disco music que ressaltava frivolidades dos novos tempos em detrimento do amor idealizado. Fala-se em noite, dança, beijos, festas etc em letras repetidas e dançantes. Os homens usavam calça boca de sino que é justa nas coxas e larga nas canelas e camisas justas. As mulheres usavam calças do mesmo modelo, collants, saias midi e uma infinidade de estilos...



A influência da Disco Music na moda masculina / Reprodução

Outro sinal de pureza na Revolução Sexual: imagina ir para a balada e escutar o salmo 137?



Houve ainda outras subculturas como os mods, skinheads e os punks. E depois dos punks houve o New Wave, o novo romantismo na virada de década. E o que estava ocorrendo no contexto histórico? O Partido Conservador colocou Margaret Thatcher no Reino Unido em 1979, no mesmo ano um polonês (logo a Polônia que estava em mãos comunistas) sobe ao papado: João Paulo II. Junta-se a dupla nos anos 80 o americano Ronald Reagan para deter o regime soviético.

A moda, que já estava revivendo os anos 30 e suas ombreiras, agora se inspiraria na década de 1940 com mais ombreiras, saias curtas e blusas oversized revivendo um período de guerra que as gerações anteriores tentaram apagar. 



Outro revival ocorre: os novos românticos fãs da subcultura gótica, do New Wave e da cultura pós-punk em geral queriam reviver principalmente a moda do fim do século XVIII e início do século XIX. E também outras partes do século XIX. Então o círculo fecha com a tendência que estava ocorrendo no início da Revolução  Sexual. Abaixo, Adam Ant e as paquitas da Xuxa, ambos com inspiração Regency.




Houve também o vestido de Diana Spencer em 1981 que remonta à chemise de la reine do século XVIII e nuances do XIX.




Então o Partido Conservador colocou Margaret Thatcher no Reino Unido, uma guerra explode entre o Reino Unido e a Argentina (Malvinas, 1982) e o comunismo parecia chegar ao fim. De repente, cientistas franceses descobrem um novo vírus capaz de atacar a imunologia, o HIV, e as pessoas começam a ficar magras e morrer. Pronto! A revolução tinha chegado ao fim, foi o fim de uma era e o estilo dos anos 50s (tempos pré Revolução Sexual) e 60s (onde tudo começou) passam a ser revividos junto com as outras tendências já ditas. O ciclo se fecha!

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Rommer Werneck é professor de Língua Portuguesa na Prefeitura Municipal de Santo André. Fundador e Diretor do Picnic Vitoriano São Paulo, clube revivalista e de Living History na cidade de São Paulo. Graduado em Letras (Português/ Inglês) pelo Centro Universitário Paulistano. Universidade Metodista de São Paulo. Pós Graduando em Língua Inglesa. E-mail: rommel_dickens@hotmail.com

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